Sistema Toyota de Produção e as Indústrias no Brasil
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23/12/2015

Última atualização: 25/01/2023

Sistema Toyota de Produção e as Indústrias no Brasil

O Sistema Toyota de Produção (ou TPS)


Sistema Toyota de Produção (Toyota Production System - TPS) é um conjunto de técnicas de gestão e administração da produção que visa aumentar a produtividade através da aplicação de técnicas de manufatura enxuta e de melhoria contínua (kaizen). Ele vem sendo constantemente comentado devido ao sucesso da montadora Toyota.


Para entendermos um pouco mais sobre o TPS, é importante bebermos nas fontes e conhecermos a fundo como foi criado. Guardadas das devidas proporções, a indústria do Brasil está precisando reinventar-se, assim como a indústria japonesa fez nos anos 50. Reforço as guardadas devidas proporções, pois o Japão no pós-guerra não é comparável ao Brasil de hoje, em termos de destruição enfrentada.


Porém, se a indústria não encarar este desafio, a coisa vai ficar ruim. 2015 foi um ano para se esquecer para o setor, que viu seu PIB cair 10% e sua força de trabalho ser cortada. Apesar de todas as dificuldades de governo, tributos, câmbio e desmandos, a transformação não pode mais esperar. Por isto, relato neste post uma história para motivar um pouco a todos que trabalham nas indústrias brasileiras.




[caption id="attachment_4390" align="aligncenter" width="300"]Sistema Toyota de Produção A linha de montagem: o clássico método de fabricação de carros.[/caption]

Gênese do Sistema Toyota de Produção


Em 1950, Eiji Toyoda e seus gerentes fizeram um tour de 12 semanas para estudar as indústrias americanas. Lá chegando, viram que havia muitas oportunidades, pois os EUA não tinham mudado muito desde a última visita, em 1930. Nas visitas que fizeram, puderam observar muitos equipamentos produzindo grandes lotes que eram levados aos armazéns, para depois de muito tempo, serem transferidos para outra grande máquina e assim por diante.


Viram que a produção era fundamentada em grandes lotes, com interrupções entre as etapas necessitando de uma grande quantidade de material e estoque em processo. Observaram a existência de equipamentos caros e o fascínio pela redução do custo por peça, com os funcionários trabalhando para manter os equipamentos ocupados. Coisa semelhante ao que ocorre nas fábricas aonde a meta, é o OEE, esquecendo-se de perguntar ao cliente se é isto que ele realmente deseja. Atenção à maneira de medir a produtividade de uma fábrica.


Os japoneses também perceberam a existência de um sistema de metas que recompensava os gerentes que produziam peças de qualquer jeito, mantendo os funcionários e os equipamentos ocupados. Tal sistema resultava em superprodução, fluxo descontínuo e itens defeituosos escondidos no meio dos grandes lotes, que permaneciam desaparecidos por semanas (aparecendo somente após os gestores serem avaliados).


Plantas inteiras operavam desorganizadas e fora de controle. Viam-se inúmeros guindastes, caminhões e empilhadeiras, transportando materiais por toda parte, o que fazia a fábrica ser muito parecida com um armazém gigante.  Pelos relatos, a viagem de benchmark transformou-se numa viagem em que ficou claro o quanto iriam ganhar, caso conseguissem implantar os ensinamentos do Deming e do Juran.



A missão desafiadora


Dentre estes gerentes, estava Taiichi Ohno, enviado por Eiji Toyoda para capturar todas as oportunidades de melhoria possíveis para melhorar a Toyota, que na época, não era competidora da Ford. No período, a Toyota restringia-se ao protegido mercado japonês e a Ford, por sua vez, já explorava o mercado mundial.


Diante desta missão, Ohno fez o que qualquer bom gerente faria: copiou seus competidores por meio de reiteradas visitas aos EUA e estudou os ensinamentos de Ford, por meio de livro “Today and Tomorrow”. Depois disto, Ohno se conscientizou de que para melhorar, a Toyota deveria dominar o fluxo contínuo e o melhor exemplo disto na época, era a linha de produção de Ford.


Com o desenvolvimento de máquinas precisas e de peças intercambiáveis, Ford conseguiu transformar sua linha de produção em algo extremamente eficiente para a realidade do início do século 20. Por meio do conceito de tempos e movimentos desenvolvido por Taylor, Ford aprofundou-se nos estudo dos tempos, especialização das tarefas e da separação entre o planejamento (feito pelos engenheiros) e a operação (feita pelos trabalhadores).



A inspiração para o fluxo contínuo


Em seu famoso livro, Ford prega a importância da criação do fluxo contínuo de materiais por meio do processo de manufatura e a eliminação dos desperdícios. Porém, como há distância entre intenção e gesto, apesar de suas pregações, sua empresa nem sempre seguia este importante princípio. A produção do modelo T e do A, utilizavam grandes lotes de produção e criavam um enorme estoque intermediário que permeava toda cadeia de valor pelo qual o produto passava.


A Toyota enxergou isto como uma falha inerente no sistema de produção em massa de Ford. Nesta época, a Toyota não podia ser dar ao luxo de criar desperdícios, pois lhe faltava espaço e dinheiro em seus armazéns e nas fábricas, além de não produzir grandes lotes de um único tipo de veículo.


Apesar das diferenças, Ohno percebeu que poderia utilizar a ideia original do Ford sobre fluxo contínuo para desenvolver um sistema “one-piece flow” flexível às mudanças da demanda do cliente que fosse ao mesmo tempo, eficiente. Por ser flexível, o futuro Sistema Toyota de Produção exigia trabalhadores engenhosos para fosse constantemente melhorado. Neste ponto, Ohno define a importância da educação da força de trabalho para chegarem ao resultado.



O início da implementação


Depois deste período Ohno retorna ao chão de fábrica, o lugar que mais entendia, e começa a mudar as regras do jogo. Ele não tinha uma grande firma de consultoria, post-its ou PowerPoint para reinventar o processo. Não contava com sistemas ERP nem utilizava a Internet para fazer as informações moverem-se na velocidade da luz.


No entanto, estava armado com seu conhecimento do chão de fábrica, dedicados engenheiros, gestores e trabalhadores que poderiam fazer a empresa ter sucesso.  Com isto, ele começou suas muitas jornadas mão na massa pelas poucas fábricas que a Toyota possuía, aplicando o jidoka e o fluxo contínuo. Durante anos e décadas de prática, foi surgindo o Sistema Toyota de Produção.



Os ensinamentos americanos


Com os ensinamentos do Ford, o Sistema Toyota de Produção puxou várias ideias dos EUA. Merece destaque, o conceito de sistema puxado, inspirado nos supermercados americanos.  Em qualquer supermercado bem tocado, os itens são repostos na prateleira à medida que vão sendo comprados. É o consumo que puxa a reposição de estoque. Aplicado no chão de fábrica, significa que a etapa 1 não deve  produzir até que a etapa 2 consuma o que já foi produzido. Somente quando o pequeno estoque de segurança da etapa 2 for consumido é que a etapa 1 voltará a funcionar.


Outra importante contribuição para o coração do Sistema Toyota de Produção, veio dos ensinamentos de W. Edwards Deming. Ele ministrou vários seminários de qualidade e produtividade no Japão em que ensinou sobre a necessidade da organização atender e exceder as necessidades dos clientes, por meio da colaboração de todos na empresa. Também expandiu a definição de cliente, criando o conceito de cliente interno.


Isto significa que cada pessoa ou etapa numa linha de produção ou num negócio deve ser tratada como um cliente e ser abastecida exatamente com o que é necessário, no tempo exato. Neste contexto originou-se o princípio de Deming: o próximo processo deve ser considerado cliente. Conceito este, importantíssimo para nossos alunos quando eles vão elaborar seus SIPOCs.


O termo japonês para isto, atokotei wa o-kyakusama, tornou-se uma das expressões mais importantes do Just in Time, pois num sistema puxado isto significa: o processo anterior deve sempre fazer o que o processo subsequente pede. De outro jeito, o JIT não funcionará.



O Ciclo do Conhecimento


Outra importante contribuição do Deming foi a adoção de uma abordagem sistemática para resolução de problemas, que mais tarde ficou conhecido como Ciclo de Deming ou PDSA, um pilar da melhoria continua.  Falando em melhoria continua, surge aqui o kaizen, que é o termo japonês para melhoria continua.



Kaizen


Kaizen é o processo de realizar melhorias incrementais, não importando o quão pequenas sejam, desde que alcancem o objetivo lean de eliminar todos os desperdícios que adicionam custos, mas não valor ao processo.


No kaizen ensinam-se as habilidades individuais para o trabalho efetivo em pequenos grupos, resolvendo problemas, documentando e melhorando processos, coletando e analisando dados e auto gerenciando os membros da equipe. Isto empurra a tomada de decisão (ou proposta da decisão) para vários trabalhadores e necessita de uma discussão aberta e de um consenso do grupo antes que qualquer decisão seja tomada. Kaizen é uma filosofia que busca a perfeição e assim, mantém o Sistema Toyota de Produção operando no dia a dia.


Merece menção o significado que este termo ganhou nos dias atuais. Hoje, kaizen significa uma melhoria, seja ela grande ou pequena. Tal alteração foi feita pelo modo ocidental de trabalhar, que foca em grandes inovações de ruptura, sendo fraco na melhoria continua por meio de pequenas mudanças. Estas mudanças maiores e revolucionárias, às vezes são chamadas de kaikaiku.



A disseminação do Sistema Toyota


Quando Ohno e sua equipe emergiram do chão de fábrica com um novo sistema de manufatura, ele não se aplicava apenas à um mercado ou uma cultura. A Toyota conseguiu dar os primeiros passos para disseminar o Sistema Toyota de Produção para seus fornecedores chave. Este fato transformou suas plantas lean, antes isoladas, em uma cadeia enxuta, com todos os elos operando neste sistema.


Já na década de 60, o Sistema Toyota de Produção era uma poderosa filosofia que todos os negócios e processos podiam aprender, mas para que isto ocorresse, passou-se mais de uma década. Em 1973, durante o primeiro choque do petróleo, que as pessoas começaram a se interessar pelo assunto. Neste período, a indústria japonesa entrou num espiral recessivo e o nome do jogo era sobrevivência.


No meio da crise, o governo japonês começou a notar que a Toyota foi a empresa que saiu mais rápido do prejuízo. Diante disto, tomou iniciativa e começou a criar seminários sobre Sistema Toyota de Produção, mesmo que o conteúdo apresentado fosse apenas uma fração do que levou a Toyota ao sucesso.


Jeffrey Liker relata que visitou o Japão na década de 80 e observou que o movimento lean nas indústrias do Japão, iniciado em 73, havia se enfraquecido. Ele atribui parte do problema ao fato da produção em massa pós Segunda Guerra Mundial estar focada em custo, custo e mais custo. A estratégia era criar máquinas maiores e, por meio da economia de escala, reduzir o custo.


Aliado a isto, buscava-se automatizar para reduzir o custo por meio da eliminação de pessoas. Tais estratégias duraram até os anos 80, quando o mundo rendeu-se à qualidade puxada pelos gurus Deming, Juran, Ishikawa entre outros. Por meio deles, o mundo aprendeu que o foco na qualidade reduzia mais o custo do que o mirar apenas neles.



A importância dos valores


Deve-se ressaltar que Toyota começou sua jornada calcada nos valores da família Toyota, que era inovadora, pragmática, aprendia fazendo e que sempre acreditava no dever de contribuir para sociedade. Além disto, eram incansáveis nos esforços para alcançar seus objetivos. Mais importante, eram líderes pelo exemplo. Nada de manuais e palestra para disseminar a forma de liderar. Aprendia-se a ser líder, observando seu superior.


Com isto, o Sistema Toyota de Produção evoluiu para atender as diferentes necessidades que iam surgindo conforme a empresa crescia. Neste processo, ficou claro o espírito desbravador e a aceitação da responsabilidade de se enfrentar os desafios. Todo este sistema está num documento interno chamado Toyota Way que registra este espírito. O documento diz:




Nós aceitamos os desafios com um espírito criativo e coragem para realizar nossos sonhos sem perder o que nos move ou nossa energia. Nós trabalhamos de maneira vigorosa, com otimismo e uma crença sincera no valor de nossa contribuição”.


Nós nos esforçamos para fazer o nosso próprio destino. Agimos com autoconfiança, acreditando em nossas próprias habilidades. Nós aceitamos nossa responsabilidade pela condução, manutenção e melhoria das habilidades que nos permitem produzir valor agregado”.



Tais palavras descrevem o que a equipe do Toyota conseguiu. Saídos do horror da Segunda Guerra Mundial, aceitaram o Desafio que parecia impossível: bater a Ford em produtividade. Com seu espírito criativo e com coragem, resolvendo problema após problema, criaram um novo Sistema de Produção e alcançaram seu sonho.



E no Brasil? O que fazer?


Quando olhamos para isto, não há como não comparar o quadro com o cenário brasileiro. Qual é o sonho por trás dos quadros que formam nossas indústrias? Ficar rico? Não quebrar? Benesses governamentais? Anos de isenção fiscal? Ser candidato ao governo do Estado? Quando conecto a história do Sistema Toyota de Produção aos valores da família, procuro por valores semelhantes nas empresas no Brasil.


Valores reais, não os propagados com muito marketing e bons redatores. Quais indústrias que vocês conhecem que acreditam na capacitação de sua força de trabalho, na melhor da sociedade e na revolução da produtividade global? Conheço algumas, mas não vou citar para não ser leviano e deixar alguma de fora. Se conhecer, fique a vontade para comentar. Abordados no Green Belt e Black Belt.


Aprenda, Aplique, Destaque-se!


Abraços a todos.



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[caption id="attachment_15269" align="aligncenter" width="600"]Gestão de Projetos Introdução Gestão de Projetos Introdução[/caption]
Virgilio F. M. dos Santos

Virgilio F. M. dos Santos

Sócio-fundador da FM2S, formado em Engenharia Mecânica pela Unicamp (2006), com mestrado e doutorado na Engenharia de Processos de Fabricação na FEM/UNICAMP (2007 a 2013) e Master Black Belt pela UNICAMP (2011). Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da UNICAMP, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.