Case Lean Seis Sigma: A Lenda da Planilha Azul
Seis Sigma

17 de julho de 2017

Última atualização: 25 de janeiro de 2023

Case Lean Seis Sigma: A Lenda da Planilha Azul

Você sabe o que é a planilha azul?


Não é a versão online da pasta rosa ou de qualquer outro dossiê de político, tão em moda nas épocas de lava-jato. Não é isso. A planilha azul é parte de um Projeto de Melhoria, em que nosso sócio Murilo F. M. dos Santos participou e que mostrou como os monstrinhos nascem. E o que seriam os monstrinhos? Se você já assistiu alguma de nossas aulas, deve lembrar que monstrinhos para nós são as planilhas em Excel.


Sim, caro leitor. Se você trabalha no mundo corporativo, duvido que não tenha trabalhado com planilhas em Excel que são verdadeiros ERPs paralelos e que processam grande quantidade de informação não estruturada e não integrada. Tenho certeza de que já mexeu em muita planilha Excel e me arrisco dizer: você já criou um monstrinho desse! Mas por que a minha ilustre planilha é um monstrinho? É isso que vamos falar nesse artigo.


Era uma vez, um grande operador aduaneiro. Nessa grande empresa, havia uma área de administrativa e um área comercial. Era departamentos separados, que ficavam em prédio separados e que se conversam por meio de sistemas. Em tese, todas as informações para o faturamento do cliente deveriam constar no sistema. Por informações, leia-se:




  • Dados cadastrais do cliente

  • Dados do pedido

  • Preços acordados

  • Condições de pagamento


Só informação basta?


E, com todas essas informações, seria possível na data correta, cobrar o cliente que a área comercial havia feito a venda. Bom, até aí, não disse nada que merecesse um olhar mais cuidadoso ou zoom mais detalhado. Acontece, porém, que numa dessas interações com a área comercial, o departamento de cobranças e faturamento descobriu que o preço a ser cobrado não era o preço que constava no sistema, pois durante a negociação, havia sido concedido um desconto.


Sem saber o preço correto, a área de faturamento começou a cobrar pelo valor que estava no sistema, o que começou a gerar muito ruído com os clientes. Diante do problema, chamou-se uma reunião e começaram a discutir que o sistema integrado não permitia que o vendedor incluísse o desconto, pois o mesmo era autorizado apenas pelo gerente. Dessa forma, caberia ao gerente acessar o sistema e consentir sobre os descontos acordados, o que era impossível segundo o volume de transações.



O que acontecia?


Além disso, o faturista não tinha acesso as negociações por razões de sigilo da informação. A necessidade de liberação, um a um, da negociação no sistema e o sigilo dos detalhes da negociação ao faturista, travavam o processo.


A princípio, durante uma reunião chamada para organizar o problema, um estagiário (sempre ele), constatou que a negociação de preços era feita anualmente. Diante disso, a negociação poderia ser registrada numa planilha Excel. A planilha, por sua vez, realiza o envio todo mês de janeiro (época em que aconteciam as negociações), para o faturamento. Pronto! Com uma solução simples e estruturada, o processo de faturamento havia sido destravado.


Dessa forma, a planilha foi construída e a partir daí, quando era época de faturamento do cliente, o faturista acessa a planilha e sabia de antemão o preço a ser cobrado. Tudo ia às mil maravilhas, até que o estagiário foi efetivado em outra área da empresa. O vendedor que atualizava as informações, saiu. O faturista, também foi substituído e assim, o processo começava a mudar.


Ao novo faturista, foi ensinado (on the job) que ele deveria faturar com base numa planilha, a Planilha Azul. E esse, após aprender, seguia seu procedimento diariamente. Já o novo vendedor, nem sabia dessa questão, pois agora o ERP permitia a inclusão dos novos preços das negociações sem precisar de aprovação um a um do gerente. Dessa forma, nunca imaginava ele que o preço para o faturamento retirou-se da Planilha Azul.



Impacto


Mas Virgilio, você deve perguntar, como o novo faturista não viu que a planilha Azul era algo fora do padrão? Calma pessoal. Se vocês vissem a complexidade e a beleza da planilha Azul, certamente falariam que se tratava de algo oficial. Mas, e nossos vendedores? Não sabiam que o preço do faturamento estava diferente?


E se eu disser que calcula-se a comissão pelo ERP com o valor da venda e não do faturamento? Mas como assim poderá perguntar um leitor mais exaltado. Assim mesmo eu lhe digo. Não havia conexão entre o ERP e a Planilha Azul. Não havia conexão de informações entre a área comercial e a área de faturamento.



Qual foi o prejuízo da Planilha Azul?


Descobrimos isso por meio do diagrama de desconexões. Sim, aquele mesmo diagrama que tanto falamos em nossa aula de Analyze em que explicamos as ferramentas de análise crítica. Por visto que dessa ferramenta, descobriu-se que o preço pelo quais os clientes eram faturados não era atualizado por 8 anos. E, como a inflação no Brasil caminhou na casa dos 10 – 15%, você imagina o prejuízo que essa simples planilha causou para esse operador logístico.


Estou indignado sobre como o cliente não reclamou que estavam faturando com um valor menor do que o reajustado. Mas será que o cliente deveria reclamar? É comum, na época de reajusta de preços, enviarmos um comunicado as empresas que o preço vai subir. Depois, há uma réplica do cliente e encerra-se a negociação. Se você, como cliente, recebe o mesmo valor do ano anterior, pensa que seu fornecedor ficou com medo de perde-lo e segurou o aumento. Diante disso, nem o mais bem-intencionado gerente de compras irá ligar para informar divergências no preço.


E desse modo, Murilo conseguiu por meio de um Diagrama de Desconexões fechar uma torneira pela qual já haviam vazado R$ 5 milhões! Sim, foram 5 milhões a vazar por um buraco que ninguém sabia e que havia sido criado por uma boa intenção.


Aposto com você: não há empresa em que essa realidade não acontece. Tenho certeza. Até em empresas de TI, que desenvolvem e comercializam sistemas eu já peguei planilhas como essa.



Mas como o fenômeno ocorre?


Geralmente, para que ocorra, são necessários alguns elementos. O primeiro deles é a pressão por resultados e análises rápidas. Começa com um gerente solicitando ao seu colaborador que apure um indicador que não é medido no ERP. Depois disso, você vai precisar de uma área de TI demorada e bem travada, cuja burocracia para solicitar customizações e prazo, não seja adequado com os anseios da liderança.


Então, junte um estagiário ou analista que seja bom de planilha. É aquele cara que manda bem na hora de fazer macros. Ele descobre uma maneira de extrair alguns relatórios do ERP, joga tudo para planilhas e cria uma macro para coletar esses dados. Depois, é só precisar do indicador para a validação de metas que a planilha ganhará vida própria.


Depois de vivo, o monstrinho mantém-se obediente, mas só faz isso ao seu dono. A planilha só deve lealdade ao seu criador. Mas, criadores de monstrinho resolvem problemas de primeira ordem, são mestres em apagar incêndios e assim, ganham promoções logo. Com isso, o monstrinho fica órfão e começa a sofrer mutações.



A bola de neve da planilha azul


Depois de algum tempo sem controle, contrata-se um novo analista para domá-lo. Sim, o gerente precisa do monstrinho, pois o vice-presidente quer ver aquele número. Assim, caberá ao novo analista dedicar-se ao combate. Levarão algumas semanas para que o novo analista consiga entender a linguagem do monstrinho e alterá-lo. Com as novas regras contábeis ou impostos apurados, o monstro terá seu DNA alterado e sua fonte de vida também. Aquele ser que antes vinha de 3 relatórios do ERP, agora vem dos 3 relatórios do ERP mais de outros 4 extraídos dos sistemas legados.


E assim vai, com operação atrás de operação até que o monstro se transforme quase em um dinossauro. Ele fica cada vez maior e mais cansado e para rodá-lo, são necessárias várias horas, até dias. É assim que termina a saga dos monstrinhos.



E o que fazer?


Portanto quando um projeto Lean Seis Sigma, utilizar um SIPOC, um Fluxograma e o Diagrama de Desconexões, você vai captura-los. E, ao fazer isso, caro leitor, não tenha medo. Mate-o. Sim, todos dirão que precisam das informações que o monstrinho tem, outros já viraram amigos dele, mas não se deixe enganar. Não. Ele é nocivo e suas mutações não controladas podem custar milhões e milhões de reais.


Prefira começa novamente e entender os reais motivos pelo qual aquele fluxo de informações é importante. Por incrível que pareça, já conseguimos eliminar horas e horas de trabalho apenas matando algumas macros. Isso acontece, pois o ERP também muda e, a cada versão, ele é capaz de matar uma família inteira dessas danadas Planilhas Azuis.


E aí? Tem alguma história parecida? Conte para nós para que possamos catalogar em nosso arquivo de doenças organizacionais. Fazemos isso, pois dessa forma nós podemos desenvolver vacinas, que distribuímos gratuitamente ao longo de nossa certificação Green Belt e Black Belt.


 
Virgilio Marques Dos Santos

Virgilio Marques Dos Santos

Sócio-fundador da FM2S, formado em Engenharia Mecânica pela Unicamp (2006), com mestrado e doutorado na Engenharia de Processos de Fabricação na FEM/UNICAMP (2007 a 2013) e Master Black Belt pela UNICAMP (2011). Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da UNICAMP, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.