Jornada da Melhoria e a janela de aprendizado
Seis Sigma

26 de agosto de 2017

Última atualização: 25 de janeiro de 2023

Jornada da Melhoria e a janela de aprendizado

O que foi a Jornada da Melhoria?


A Jornada da Melhoria, foi uma ideia minha e do Murilo, para espalharmos a pulguinha da melhoria em algumas empresas no Brasil. Há pelo menos 11 anos na estrada da melhoria, posso afirmar que já tentei convencer muita gente da importância de se estudar os princípios de Deming. Além dele, reforço a importância do estudo do Lean e do Seis Sigma. Eles ajudam demais nos problemas da sua vida na empresa. Alguns desses conceitos, são os que ensinamos nas Certificações Seis Sigma, Green Belt e Black Belt.



Mas como convencer alguém de que esse é o caminho?


Eis a parte mais difícil. Nosso processo de comunicação é algo complicado. Para usar um exemplo bem tosco, se você ouve em Porto Alegre aipim, se for paulista como eu, pode ficar em dúvida. Agora, se alguém perguntar se você deseja aipim frito, mas alguém traduzir que isso é mandioca, aposto que estampará um sorriso no rosto e a pedirá com algumas cervejas ainda.


Por isso, a comunicação se faz tão complicada. Como falar, para todo o Brasil, palavras que consigam transmitir o meu exato encantamento com o processo de Melhoria Contínua? Como um gesto vale mais que mil palavras, resolvemos pegar a estrada e gratuitamente, ir até algumas empresas que nos convidaram para treinarmos, durante um dia inteiro, sua força de trabalho.


Nosso objetivo era fazê-los, por meio de uma dinâmica, vivenciar a nossa percepção de como o Modelo de Melhoria nos ajuda a enxergar um processo de um outro jeito. Na dinâmica, simulamos uma empresa de logística, com instruções e procedimentos bem amarrados e claros. Na empresa simulada, colocamos mais pessoas do que o necessário e deixamos a operação formar seu próprio gargalo e elegemos um gerente para organizar a loucura.


Pasmem, conseguimos repetir um ambiente igualzinho da maioria das empresas, num laboratório itinerante. Na dinâmica, é possível ver o gerente ficando louco, ao ver a pessoa da operação gargalo matar-se. Por motivo da CBO (Código Brasileiro de Ocupação), não deixamos o gerente atribuir mais uma pessoa na função. Desesperado, o gerente acaba implorando por mais recursos. Nós, para simularmos o ambiente do mundo real, dizemos não e, o gerente, apesar de lamentar-se por não conseguir arrumar o processo, se lança num esforço quixotesco a ajudar.


Sim, o gerente esquece da sua atividade de gerenciar e coordenar a equipe e começa a fazer a mesma função do funcionário que está na operação gargalo. É nesse momento que geralmente, o SAC começa a receber as primeiras reclamações dos clientes por erros no processo. Aí, o SAC imbuído das melhores intenções, relata ao gerente todos os problemas. Mas o gerente, está ocupado demais tentando ajudar seu colaborador, pois o estoque de produtos para serem processados cresce bastante.


Essa passagem, ilustra um pequeno ponto dos muitos que conseguimos simular nessa animada e divertida dinâmica. Depois, mostramos as ferramentas do SIPOC, Fluxograma, Diagrama ECRS, PDSA e vamos ajudando o time a aplicar as ferramentas aprendidas na operação. É nesse momento que as pessoas mudam suas feições e ficam surpresas do poder das ferramentas. É nesse momento que as pessoas começam a ganhar conhecimento, por meio das ferramentas, sobre como melhorar o seu processo e a enxergar que com um quarto das pessoas, conseguirão reduzir o tempo de entrega em 10 vezes.


Ao final do dia, dessa vivência de melhoria de processos, uns 20% dos participantes, por meio de suas inteligentes perguntas, deixam claro que a pulga da melhoria pulou atrás de suas orelhas. Quanto as demais, mesmo colocando-os para vivenciar a coisa na prática, não conseguem ver o valor.



Como o ambiente influencia no aprendizado?


Para responder essa pergunta, tenho que afirmar que nem todas as empresas visitadas tiveram 20% de participantes que realmente entenderam o que estávamos a falar. Algumas foram mais, outras menos. E, refletindo sobre o motivo, ficava claro pelo modo como nos tratavam, quais delas estavam em modo aprendizado e quais não.


Das 20 e poucas empresas que frequentamos, havia algumas que nos receberam de um modo um tanto quanto protocolar. Pensando no modelo de negócio, víamos que a proposição de valor nossa era tampar um buraco da agenda de treinamentos prometida pelo RH, à custo zero.


Em uma, especificamente, o deslocamento foi de mais de mil quilômetros, entre avião e carro, mas a resposta da turma foi muito fraca. Quando lecionava, falando das ótimas ferramentas, percebia-se pouco caso e questionamentos acerca de outras metodologias, que na cabeça dos ouvintes, eram melhores que as que falávamos. Não importava o quanto eu tentava argumentar que ambas eram parecidas e poderiam ser aplicadas em conjunto. A cabeça não estava aberta para o aprendizado.


Noutras, fomos muito bem tratados e a turma que fez o curso, era aprendizado puro. Éramos consumidos por pergunta e o dia, que começara diferente para eles, foi aproveitado ao extremo. Essas, foram uma esmagadora minoria.


Por mais que estivéssemos lá gratuitamente, tentando devolver em forma de aprendizado um pouco do que a sociedade investiu em nós, por meio de nossa graduação, mestrado e doutorado em universidade pública, não tínhamos valor. A percepção de valor dos alunos que investem R$ 3.200,00 para tornarem-se Black Belts conosco é muito maior, do que alguns que tiveram acesso ao nosso know how gratuitamente.



Qual é a janela para o aprendizado?


Antes disso, você sabe o que é janela de aprendizado? É aquele momento em que alguém se abre para aprender algo novo. Há pessoas, as mais interessantes, que abrem o seu janelão a todo momento. Outras, por sua vez, abrem suas pequenas janelas basculantes apenas algumas raras vezes por ano.


Um exemplo interessante se deu com aluno nosso que tinha dificuldades em entender a magia da melhoria de processos. Não havia meio dele entender, para valer, a importância do processo na operação de uma empresa. Um dia, fomos almoçar num restaurante que estava em sua primeira semana de funcionamento. Apesar de badalado, o lugar era um caos. Esperamos muito, o pedido veio com erros e na hora de pagar, cobraram a mais. Ele, logo começou a reclamar que o problema eram os garçons, que não estavam com boa vontade.


Eu tentei argumentar que o problema era o processo. Mas não havia meios de convencê-lo de que o problema não eram os garçons e sua má vontade em atender aos clientes. A coisa ia assim, até que ele reconheceu um dos garçons que lá prestava serviço. Ao chama-lo pelo nome, perguntou o porquê daquela bagunça. Qual foi a resposta? O processo estava desorganizado e ninguém tinha sido devidamente treinado.


O espanto estampou-se em sua face e, o rosto da Jornada da Melhoria apareceu. O garçom reconhecido, segundo ele, era ótimo. Meu aluno o conhecia do trabalho numa importante rede de restaurantes árabes. Lá, ele era um ótimo garçom, mas aqui, estava incluído na classificação dos péssimos. Depois de refletir um pouco, ficou claro ao meu aluno: um processo ruim entrega um resultado ruim. E, essa foi a minha deixa de fazer-me de mestre Miagui e persuadi-lo definitivamente, da importância do processo.


Agora, pergunto: sua empresa favorece ou dificulta o aprendizado? Falar não sei é melhor ou pior do que inventar alguma bobagem sobre algo que você realmente não sabe? Se é melhor inventar uma teoria, não sei se o ambiente é propício ao aprendizado. Agora, se falar: eu não sei como se faz isso, você me ajuda? A chance de aprender, é muito melhor.


Com nossa caravana, chamada Jornada da Melhoria, conseguimos em dois meses, visitarmos 25 empresas. Nessa visita, muito rica por sinal, nos ensinou como o conjunto processo, ambiente e pessoas, é a chave para o sucesso. Em algumas, vimos o brilho nos olhos dos times. Noutras, vimos a competição e a falta de espírito de equipe, desmotivação, síndrome do sabe tudo, empáfia, orgulho e desinteresse. Não eram os melhores sentimentos, mas o jogo é esse.


Quando passamos nos locais onde o time estava alinhado e o ambiente era propício ao aprendizado, a Jornada da Melhoria cumpriu sua missão. Em outras, apenas gastamos mais 8 horas nossas e deles, sem aumentar muito a esperança de dias melhores. A pulguinha, nosso humilde objetivo, não foi cumprido. Agora, pergunto a você: como convencer uma empresa e seus colaboradores que é preciso aprender? Qual é o caminho para comunicarmos a importância desse conceito? Quais são as palavras, por meio das quais, conseguiríamos expressar nossa crença na melhora?


Por isso, encerro esse artigo que conta um pouco da nossa percepção da Jornada da Melhoria agradecendo aqueles que fizeram o projeto valer a pena e, colocando uma provocação: qual é a melhor maneira de conscientizarmos a importância da melhoria? Como convencer e comunicar a todos?


Na minha carreira, as vezes que consegui comunicar-me com perfeição a minha percepção sobre melhoria, foram a que entramos em projetos junto e, na hora que a coisa apertou, lancei mão de alguma análise. Aí, ficava claro a importância. Por isso, caro leitor, tenha resiliência. Como diria meu finado avô, malandro não estrila, aguarda a vez. Assim, aguarde a vez em que a janela de aprendizado se abrirá. Quando abrir, pegue seu discurso da melhoria e exemplos reais e jogue pela janela. Fique certo que na próxima segunda feira, seu chefe ou pessoa a ser convencida, irá chama-lo para uma conversa. E, nesse papo, pedirá que lidere os esforços de melhoria na sua área. Seu momento para brilhar...

Virgilio Marques Dos Santos

Virgilio Marques Dos Santos

Sócio-fundador da FM2S, formado em Engenharia Mecânica pela Unicamp (2006), com mestrado e doutorado na Engenharia de Processos de Fabricação na FEM/UNICAMP (2007 a 2013) e Master Black Belt pela UNICAMP (2011). Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da UNICAMP, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.