Ferramentas da Qualidade na vida
Ferramentas da Qualidade

10 de maio de 2021

Última atualização: 31 de outubro de 2022

Ferramentas da Qualidade na vida

Você já se pegou pensando:

  • Por que não aprendi tudo aquilo que estudei? 
  • Por que aprendi isso, se não utilizo para nada? 
  • Será que algum dia vou utilizar tudo isso que aprendi? 
  • Por que será que esqueço aquilo que não utilizo?

Aposto que já fez essas perguntas, concorda? É algo que as pessoas pensam com frequência, ao constatar que não se sabe tudo que estudaram e que se aprende coisas que nunca foram usadas. Diante dessa constatação, o próximo passo é se perguntar: será que não joguei muito tempo fora? E o que as ferramentas da qualidade tem a ver com isso?

Então, será que não gastei muitas horas à toa aprendendo algo que não me será útil e que esquecerei em breve? Minha resposta é calma. Muitas coisas que estudamos nós aprendemos e não nos damos conta.

E, muitas das coisas que achamos não serem úteis é porque não estamos enxergando nossos problemas sob a perspectiva da ferramenta em questão. Muito complexo a minha teoria? Vamos para um exemplo prático: usando ferramentas da qualidade na vida...

Ferramentas da qualidade

Se você tem filhos, já deve ter rodado muito PDSA sem ter a consciência de que aplicava a ferramenta. Como minha filha tem 1 ano e 3 meses, os PDSAs dela estão frescos na minha memória. E, o PDSA, como representação simplificada do método científico, é a melhor forma para utilizarmos nosso conhecimento prévio para criarmos conhecimento novo.

No mês passado, estava incomodado com a constância do sono dela ao longo da noite. Após um ano de vida, mudamos ela de quarto. Estávamos receosos dela se acostumar rapidamente à mudança. Nossa preocupação era que teríamos de levantar muitas vezes para acalmá-la e fazê-la pegar no sono novamente. Entretanto, nada mudou no primeiro mês, ela dormiu tranquilamente.

No terceiro mês, após a mudança, ela começou a acordar às 01:30hs e debater-se. Parecia que algo incomodava e como ela não consegue se comunicar ainda, coube nos tentar adivinhar. Para isso, inconscientemente, no meio da madrugada, surgiu um PDSA na minha cabeça.

Por que usar o PDSA?

Objetivo: entender a causa raiz da interrupção do sono da bebê, todo dia, por volta das 01:30hs. Depois do objetivo, surgiram questões que minha esposa e eu tentávamos responder com as nossas predições. Será que é dor de dente? Ou talvez gases? Será que é o local? Ah, talvez sejam as motocicletas que passam toda noite durante a madrugada.

Frio, ela se descobre e o frio da madrugada a faz acordar. Foram muitos questionamentos e muitas respostas, baseadas em teorias cuja o fundamento era a leitura de revistas especializadas, blogs, sites e questionamentos aos amigos. Como não estava seguro das minhas percepções e teorias, fui na cartilha do método científico e lembrei da importância da observação e da medição. Só, por meio delas, poderia refutar ou não meu vasto campo de teorias.

Só que antes disso, para organizar as teorias minhas e de minha esposa da causa do despertar da madrugada, elaboramos um Diagrama Ishikawa, ou, se preferir, um Diagrama de Afinidades.

Listamos todas as causas para o efeito acordar às 01:30hs e a plano de teste da hipótese listada.

O nosso Diagrama Ishikawa

1.Hipótese: frio

Explicação: a temperatura na madrugada cai muito e como ela dorme descoberta, acorda com isso. Verificação da hipótese: a babá eletrônica tem termômetro e a temperatura de conforto térmico da bebê é de 21ºC a 25ºC. Observamos que ela acorda quando esses limites são excedidos. No caso, o quarto era isolado suficientemente e a temperatura nunca atingiu, durante a semana de teste, 21ºC. Conclusão: não é o frio;

2. Hipótese: dor de dente

Explicação: como estão nascendo os dentes, a dor poderia tornar-se insuportável a ponto de acordá-la. Verificação da hipótese: não há crises de choro durante o dia, pelo dente. Bochechas vermelhas, gengivas inchadas e muita baba estão presentes, mas se a dor fosse muito grande ela não conseguiria dormir com ela. Conclusão: não é o dente, apesar de entendermos que pode contribuir;

3. Hipótese: barulho provocado pelas motos

Explicação: como moramos em uma avenida movimentada, há muito fluxo de motocicletas entregando comida durante a noite. Verificação da hipótese: baixei um aplicativo para o celular que mede o barulho em decibéis. Até às 23hs, há um fluxo intenso que provoca picos de 65 decibéis. Na madrugada, dificilmente passou de 45 decibéis. Conclusão: não são as motos, apesar destas provocarem interrupções pontuais do sono, das 20hs às 23hs;

4. Hipótese: local

Explicação: como dorme no colo, ao acordar na madrugada sozinha ela se assusta e, isso a faz chorar. Verificação da hipótese: não houve crises nos primeiros 2 meses após a mudança. Conclusão: não parece ser um fator contribuinte;

5. Hipótese: gases

Explicação: observou-se, durante a madrugada, a bebê tentando ficar na posição fetal e de bruços. Ela tentava rastejar com o quadril elevado. Como o leite da madrugada era dado lá pelas meia noite, havia a hipótese de gases. Verificação da hipótese: verificou-se com a pediatra e a sugestão foi para retirar o leite, o que melhorou, porém não evitou completamente. Então, introduziu-se um remédio para cólica que atenuou ainda mais. Com a antecipação da janta e o espaçamento maior entre a janta e a hora do repouso, o problema foi resolvido.. Conclusão: era cólica, causada pelo leite da madrugada e janta próximo a hora de dormir.

Planilha Ishikawa

Os resultados

Desse modo, encerramos a fase Study. Após, revisamos nosso processo de jantar, antecipando ele das 19:20 para 18:40. O sono continuou às 20:30 e o último leite era administrado às 20:00hs. O que é legal nessa história? Ferramentas da qualidade que nunca passariam pela cabeça como corretas para tratar o problema foram aplicadas.

Nunca pensei que PDSA, Ishikawa, Análise do Sistema de Medicação, Folha de Coleta de Dados, Inferência, Benchmark, Revisão Bibliográfica e Consulta de Especialistas seria utilizado para melhorar o sono da minha filha e, por consequência o nosso.

Entretanto, diante do problema, a estrutura do método veio rapidamente à tona e nos permitiu atenuar o incômodo. Quero deixar claro que essa descrição, da aplicação do método científico (ferramentas da qualidade) tem fins apenas ilustrativos e didáticos. Não é um trabalho científico e não passou pelo crivo de nenhum profissional da área da saúde. 

Licença poética

Considere uma licença poética que tomei, para explicar como exemplos do nosso dia a dia podem ser uma ótima oportunidade para aplicarmos conhecimentos que outrora não imaginávamos serem passíveis de aplicação no caso citado. Tomem o relato como algo meramente ilustrativo.

E lembrem-se, conhecimento não ocupa espaço e quanto mais conhecemos, mais fácil fica criar conhecimento novo. O trabalho de associação ao que já sabemos nos poupa esforço, tempo e nos permite avanços significativos.

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Virgilio F. M. dos Santos

Virgilio F. M. dos Santos

Sócio-fundador da FM2S, formado em Engenharia Mecânica pela Unicamp (2006), com mestrado e doutorado na Engenharia de Processos de Fabricação na FEM/UNICAMP (2007 a 2013) e Master Black Belt pela UNICAMP (2011). Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da UNICAMP, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.