Quando se fala em controle de qualidade, é comum associar o tema a ferramentas modernas e softwares de monitoramento. Mas o ponto de partida dessa lógica vem de um período anterior à automação. Nos anos 1920, Walter Shewhart propôs uma forma de entender a variação nos processos que até hoje sustenta a base da gestão por dados.
Neste conteúdo, vamos entender quem foi Shewhart, como ele formulou as ideias que deram origem ao Controle Estatístico de Processos (CEP) e de que forma esse pensamento influenciou nomes como W. Edwards Deming. Também veremos por que suas ideias continuam sendo aplicadas em diferentes setores, da indústria ao setor de serviços.
Quem foi Walter Shewhart
Walter Shewhart nasceu em 1891, nos Estados Unidos, e se formou em física na Universidade de Illinois. O interesse por métodos quantitativos o levou a seguir os estudos até o doutorado pela Universidade de Berkeley. Apesar da formação em física, foi na estatística aplicada que encontrou um campo fértil para desenvolver seu pensamento.
Sua trajetória acadêmica coincidiu com a consolidação da indústria como pilar econômico nos EUA. Isso o colocou em contato direto com os desafios de padronização e controle que surgiam com o avanço dos processos industriais. Em vez de seguir exclusivamente a carreira docente, Shewhart optou por atuar em contextos técnicos, onde a aplicação de conceitos estatísticos poderia gerar melhorias práticas nos sistemas de produção.
Essa escolha marcou a base de sua atuação: usar a estatística para entender e controlar processos, em vez de apenas analisá-los de forma isolada. Ainda nos primeiros anos da carreira, demonstrou interesse em transformar métodos analíticos em ferramentas acessíveis aos profissionais da engenharia e da manufatura.
A criação do gráfico de controle
Foi na Bell Telephone Laboratories, nos Estados Unidos, que Walter Shewhart desenvolveu o gráfico de controle, considerado o marco inicial do Controle Estatístico de Processo (CEP). A empresa enfrentava problemas de instabilidade na qualidade das linhas telefônicas, e havia a necessidade de manter os sistemas dentro de padrões técnicos cada vez mais exigentes.
Em resposta a esse cenário, Shewhart propôs uma abordagem estatística para acompanhar a variabilidade dos processos ao longo do tempo. O gráfico de controle permitia visualizar quando um processo operava dentro de limites aceitáveis ou quando sofria desvios que exigiam intervenção. Isso reduzia inspeções finais e aumentava a previsibilidade da produção.
Ao estabelecer os limites de controle com base em dados amostrais, o gráfico passou a distinguir entre oscilações naturais e variações anormais no processo. A proposta não era apenas identificar falhas, mas fornecer um método para agir antes que elas causassem impacto no produto final. A ideia foi documentada com profundidade em 1931, no livro Economic Control of Quality of Manufactured Product, uma das primeiras obras a sistematizar a gestão da qualidade com base estatística.
Conceito de variabilidade comum e especial
Ao estudar o comportamento dos processos, Shewhart observou que nem toda variação tinha a mesma origem. Ele classificou as causas em dois grupos: variabilidade comum e variabilidade especial.
A variabilidade de causas comuns representa flutuações naturais, inerentes ao processo. São pequenas diferenças que ocorrem mesmo quando tudo está funcionando corretamente, como pequenas variações na temperatura, pressão ou velocidade de uma máquina. Já a variabilidade de causas especiais indica a presença de uma causa fora do padrão, como falhas mecânicas, erro humano ou mudança no material utilizado.
Essa distinção foi fundamental, pois antes dela qualquer desvio era tratado como problema, o que levava a ajustes desnecessários e aumento de custos. Shewhart mostrou que entender de onde vem a variação é o ponto de partida para melhorar processos de forma consistente. O foco deixou de ser apenas corrigir erros e passou a ser controlar o sistema como um todo, equilibrando estabilidade e melhoria contínua.
Influência no pensamento estatístico moderno
O impacto do trabalho de Shewhart ultrapassou os limites da indústria e moldou a forma como a estatística é usada para tomada de decisão. Seu pensamento inaugurou uma visão prática da análise de dados, voltada para o controle e a melhoria de sistemas.
Ele foi o primeiro a integrar teoria estatística e método científico em um contexto operacional. Essa abordagem inspirou nomes como W. Edwards Deming e Joseph Juran, que ampliaram suas ideias e ajudaram a consolidar a filosofia da qualidade total no pós-guerra. A partir daí, conceitos como controle de variação, melhoria contínua e ciclo PDCA se tornaram parte da rotina das organizações.
Hoje, o legado de Shewhart aparece em metodologias como Lean Six Sigma, Gestão da Qualidade Total (TQM) e Análise de Processos. Seus princípios permanecem atuais porque tratam de algo essencial: compreender os dados para agir com base neles. Em um cenário em que a informação se tornou ativo estratégico, o pensamento estatístico de Shewhart continua sendo uma referência sólida para quem busca decisões sustentadas por evidências.
Shewhart e o Ciclo PDCA
O que hoje conhecemos como PDCA tem origem no trabalho de Walter Shewhart. Ainda na Bell Labs, ele propôs um modelo de raciocínio baseado em etapas sucessivas de análise e ação. A intenção era dar suporte à prática científica dentro da indústria, por meio de um ciclo estruturado para tomada de decisão e controle de processos.
Shewhart dividiu esse processo em três fases: especificação, produção e inspeção. A proposta era simples: formular hipóteses com base em dados, executar ações sob controle e, por fim, verificar os resultados para decidir os próximos passos. Isso criou as bases do pensamento cíclico aplicado à melhoria de sistemas.
Esse raciocínio influenciou diretamente o trabalho de W. Edwards Deming, que teve contato direto com Shewhart na Bell. Foi Deming quem transformou esse modelo em uma linguagem mais acessível e adaptada à gestão empresarial, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. A versão que se popularizou como PDCA reflete esse processo de sistematização e aplicação prática.
Diferenças entre PDCA e o ciclo original de Shewhart
Embora o PDCA tenha origem no modelo proposto por Shewhart, existem diferenças relevantes entre as duas versões. A estrutura original não tinha o formato de quatro letras nem a terminologia atual — Plan, Do, Check, Act — adotada posteriormente por Deming para fins pedagógicos e de padronização.
O ciclo de Shewhart era mais próximo de um método científico aplicado. A preocupação principal estava na estabilidade do processo, e não necessariamente em melhoria contínua. Já o PDCA foi formulado com foco em gestão, visando repetição intencional para aprimoramento de resultados ao longo do tempo.
A influência de Shewhart em W. Edwards Deming
Walter Shewhart e W. Edwards Deming mantiveram uma relação profissional marcada por troca de ideias e influência intelectual. Deming trabalhou na mesma Bell Telephone Laboratories onde Shewhart desenvolveu suas principais contribuições. Foi ali que teve contato direto com os conceitos de variabilidade, controle estatístico e raciocínio científico aplicados à produção.
Deming reconheceu em Shewhart uma referência e, mais do que citar suas ideias, passou a utilizá-las em suas consultorias e treinamentos, inicialmente nos Estados Unidos e depois no Japão, no período pós-Segunda Guerra Mundial. Ao difundir o uso de dados para a tomada de decisão, Deming incorporou o pensamento de Shewhart em um contexto mais amplo, atingindo governos, empresas e sistemas educacionais.
O impacto global dessa conexão se tornou evidente na reconstrução industrial japonesa. Os conceitos desenvolvidos por Shewhart, aplicados por Deming, deram base ao modelo de gestão por qualidade que mudou o padrão da indústria no Japão e, mais tarde, em outros países. Isso criou uma ponte entre a estatística aplicada e a estratégia empresarial, com efeitos duradouros na forma como organizações medem e melhoram seus resultados.
Controle estatístico de processos (CEP)
O Controle Estatístico de Processos (CEP) surgiu como resposta à necessidade de reduzir falhas e inconsistências nos sistemas produtivos. Criado por Walter Shewhart, o método passou a ser adotado por engenheiros e gestores que buscavam estabilidade operacional com base em dados.
Ao introduzir ferramentas estatísticas na rotina da produção, Shewhart demonstrou que não bastava inspecionar o produto final. O foco deveria estar no acompanhamento do processo em tempo real. Com essa lógica, a gestão passou a identificar variações antes que gerassem não conformidades.
Esse modelo ajudou a transformar o papel da qualidade dentro das empresas. De função corretiva, passou a ser parte estratégica das operações. O CEP, com seus conceitos de variabilidade comum e especial, abriu espaço para decisões baseadas em fatos e reduziu o desperdício associado a ações reativas.
Contribuições para a qualidade total e Lean Six Sigma
O pensamento de Shewhart influenciou diretamente a construção de métodos de gestão como a Qualidade Total (TQM) e o Lean Six Sigma. O uso de dados para compreender processos, eliminar causas de variação e manter padrões operacionais se tornou central nesses modelos.
No Lean Six Sigma, por exemplo, a fase de controle (última etapa do ciclo DMAIC) utiliza ferramentas como o gráfico de Shewhart para garantir que os ganhos obtidos durante o projeto sejam sustentados no longo prazo. Já na abordagem de Qualidade Total, o princípio de padronização com base em evidências segue a mesma lógica introduzida por ele nos anos 1920.
Mesmo com o avanço de sistemas digitais e automação, os fundamentos permanecem os mesmos. Os métodos contemporâneos apenas reorganizam o que Shewhart estruturou: observar o processo, agir sobre as causas certas e manter a operação dentro de limites previsíveis.
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