Melhoria na saúde
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19 de maio de 2018

Última atualização: 22 de maio de 2023

Como gerenciar os projetos de melhoria na área da saúde?

Alice Sarantopoulos

Enfermeira, mestre e doutoranda em Lean Healthcare pela UNICAMP, Black-Belt em Lean Six Sigma, educadora e consultora em Lean.

Apresentação

Eu sou uma enfermeira, filha, irmã e esposa de engenheiros, que entrou na área da saúde, no curso de enfermagem para cuidar de pessoas. Meu desejo era diminuir o sofrimento das pessoas com um cuidado humanizado.

Durante a faculdade, me deparei com o sofrimento humano e com a falta de organização dos serviços de saúde, que, por sua vez, intensificavam esse sofrimento. Filas de espera, atendimentos muito rápidos e sem qualidade, falta de material e medicamentos, erros evitáveis, cancelamentos de cirurgia, falta de vagas, falta de exames necessários, atrasos e por aí vai.

Durante a graduação, estudando Administração Hospitalar como parte da ementa do curso, desenvolvi uma paixão pelo tema. Estudava, com gosto, famosos teóricos de Administração e ensinava meus colegas antes das provas. Tinha como exemplo a enfermeira Florence Nightingale, que revolucionou a enfermagem na guerra da Criméia, entendendo a importância da coleta de dados, limpeza, organização e o cuidado humanizado aos pacientes.

Por vocação e desejo intenso de melhorar a saúde, escolhi aprofundar meus estudos sobre o tema gestão da saúde. Tive a oportunidade de realizar meu mestrado e meu doutorado em Lean Healthcare e criar, juntamente com o meu orientador, o Prof. Dr. Li Li Min, o Grupo de Inovação e Gestão na Saúde (GIGS). Por meio desse grupo de pesquisa, tive a oportunidade de aplicar todos os conceitos e ferramentas Lean em hospitais, centros de saúdes e clínicas ambulatoriais, podendo, assim, consolidar meu aprendizado, influenciar agentes de mudanças, treinar pessoas e melhorar processos na saúde, eliminando diversos tipos de desperdícios.

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Vou aqui relatar uma dessas experiências e falar um pouco da ferramenta que sempre me acompanha em todos projetos de melhoria que participo, o Processo de Gestão A3 ou Pensamento A3.

O que é o Pensamento A3?

Primeiramente gostaria de explicar rapidamente o que é o Pensamento A3 e como utilizá-lo. Depois vou contar um caso especifico onde utilizei o A3 para melhorar um processo, realizado em todo hospital, e descrever a percepção dos colaboradores desse hospital público ao utilizar o A3.

O Pensamento A3 teve sua origem na Toyota e é utilizado como uma ferramenta de processo de gestão que auxilia os colaboradores a estudar os problemas, aprendendo com eles para melhorar o gerenciamento.

A figura 1 apresenta as etapas gerais do Pensamento A3, que é um método científico. 

Figura 1

Além de ser um método científico que auxilia os colaboradores a melhorar os processos de maneira mais rápida e eficaz, o A3 também aproxima os líderes dos colaboradores e do gemba (local onde o valor é produzido, onde as coisas acontece). Além disso, cria engajamento dos colaboradores na solução dos problemas, envolvendo-os no processo de melhoria. O autor John Shook (2008) demonstra em seu livro que o uso do Pensamento A3 tem, em si, o poder de alinhar as metas e os objetivos da organização com as atividades envolvidas na gestão do dia a dia e ainda auxilia no aprendizado para prevenção de problemas recorrentes.

O A3 leva o colaborador a perceber o problema no gemba, estudá-lo, identificar suas verdadeiras causas, definir metas, propor contramedidas, planejar a execução e acompanhar as medidas tomadas. Deve ser utilizado em todas as áreas da empresa, desde as operações complexas até as mais simples.

O termo “A3” nada mais é do que o tamanho da folha utilizada para apresentar suas etapas. Esta folha de papel é do tamanho de 2 folhas A4 (a folha sulfite que estamos acostumados a usar). A ideia é que todo o processo esteja representado visualmente no papel A3. Há uma estrutura de passo a passo no A3 básico, mas que pode ser alterada de acordo com a necessidade de cada local onde é utilizado. Geralmente, sua estrutura deve conter o Título, que define o problema ou tema que será discutido; o responsável pelo A3; a data da última revisão; o pano de fundo (background) da situação, contendo o contexto geral da situação a ser abordada; as condições atuais do problema, onde devem ser colocados os dados e fatos do problema; o objetivo e as metas; a análise do problema.

Tudo isso deve ser apresentado no lado esquerdo da folha A3 e, do outro lado da folha, deve ser colocada a proposta de atuação com as contramedidas; o plano de ação; e, por fim, o acompanhamento. Essa estrutura está representada na figura 2, apresentando as perguntas que podem ser feitas em cada etapa do processo. Este é apenas um dos modelos existentes, que pode ser alterado da melhor maneira para sua instituição.

Figura 2

De maneira muito resumida, foi apresentado o Processo de Gestão A3. Contudo, gostaria de deixar claro que o A3 não é apenas mais uma ferramenta para conduzir um projeto, mas é uma ferramenta poderosíssima para melhoria contínua, geração de líderes, comunicação interna, aprendizado contínuo e gestão Lean.

Uso do A3 em Hospital

Gostaria agora de fazer um relato de um caso específico do uso do A3 em um hospital, para que você possa se inspirar para começar a utilizar essa ferramenta poderosa e alcançar ótimos resultados que melhorarão a experiência do cuidado para os pacientes e o trabalho dos profissionais.

O caso aconteceu na UTI de um hospital escola público, com uma equipe multiprofissional, envolvendo uma enfermeira da diretoria de enfermagem, uma enfermeira do setor de controle de infecções hospitalares, quatro enfermeiros, dois técnicos de enfermagem e dois médicos da UTI e eu, como tutora Lean, apresentando pela primeira vez as ferramentas para a equipe. Minha função era de treinar a enfermeira líder para usar a ferramenta e orientar as reuniões, para que o pensamento científico fosse seguido.

Vou contar um pouco como tudo começou. A enfermeira líder montou essa equipe pois, queria melhorar todos os processos que envolviam a inserção do cateter e decidiu começar pela UTI. Fui chamada para ajudar a fazer as coisas acontecerem de maneira eficaz e mais rápida, pois os projetos começavam e os resultados geralmente não eram alcançados.

Utilizando a análise SWOT na área da saúde

Quando cheguei, fui apresentada à equipe e, na conversa inicial, percebi que eles não sabiam o que precisava ser feito. Então, para que a equipe conhecesse melhor o problema, optei por começar com um SWOT para entender quais as forças (Strenghts) fraquezas (Weakenesses), oportunidades (Oportunities) e ameaças (Threats) do setor e só então começar o A3. A dinâmica com o SWOT foi rápida e prática, cada um escreveu o que achava em post-its e conseguimos, ao final da reunião, elaboramos um SWOT simplificado, demonstrado na figura 3.

 Figura 3

Ao final da dinâmica do SWOT, os relatos dos colaboradores foram muito positivos, anotei alguns em meu caderno: 

Impressionante como que em pouco tempo, conseguimos entender bem como estamos. Que ferramenta legal! Agora já sabemos por onde começar”.

Foi marcado um próximo encontro, no qual começaríamos o A3 para acompanhar o processo. No total foram realizadas 7 reuniões utilizando o A3 para guiar as discussões. Cada reunião não passava de 1 hora, afinal os profissionais estavam no meio do plantão.

Comecei nosso segundo encontro mostrando a estrutura do A3 e fazendo perguntas sobre cada etapa do processo. A definição do contexto foi realizada utilizando o resultado do SWOT. Sabendo que a terapia infusional é amplamente utilizada em cuidados de saúde para administrar soluções através de um cateter vascular central (CVC) e que eventos adversos têm um impacto severo na morbidade e mortalidade dos pacientes, na qualidade dos cuidados, nos custos e na eficácia do tratamento, a equipe sentiu necessidade de ir ao gemba para identificar problemas relacionados com CVC.

No gemba, uma parte dos colaboradores foram realizar uma breve de auditoria nos cateteres já inseridos e outra equipe foi acompanhar um processo do começo ao fim, desde o pedido de cateter realizado pelo médico até o fim da inserção. Coletamos todos os tempos e desenhamos o processo utilizando o Gráfico de Yamazumi, apresentado na figura 4.

Figura 4

Os profissionais sabiam que havia dificuldades de preparar o material para inserir o cateter, mas não imaginavam que o tempo gasto para coletar todo o material, fosse tão longo. Os médicos e residentes perdiam aproximadamente 30 minutos procurando e coletando os materiais para realizar o procedimento, que demorava em torno de 20 a 30 minutos. Ou seja, mais de 50% do tempo gasto nesta atividade, era considerado desperdício.

Além da questão do tempo gasto para reunir o material, no momento de inserção do cateter beira leito, por não haver uma mesa de apoio, a equipe médica tinha dificuldade de abrir o material estéril para realizar a atividade, aumentar o risco de contaminação.

Como meta, a equipe definiu reduzir o tempo de coleta de material de 30 minutos para 5 minutos. Analisando a origem do problema utilizando os “5 por quês”, encontramos as suas causas raízes: falta de organização e padronização no ambiente de trabalho.

Como contramedida, a equipe teve a ideia de desenvolver um kit com todos os materiais para tornar esse processo mais ágil (figura 5), o que resultou no ganho de 25 min de tempo médico por inserção de cateter. Totalizando aproximadamente 12 horas mensais médicas de economia, um tempo que o profissional pode utilizar no cuidado com o paciente. Além do ganho de tempo, houve relatos de diminuição de estresse entre a equipe.

Outra medida, além da criação do Kit de Inserção, foi separar um carrinho específico e identificado para realização desta atividade. Fizemos um “5S” na UTI, organizando o ambiente de trabalho e identificando o local determinado do carrinho.

A partir dessa experiência, a equipe envolvida percebeu que o uso do Processo de Gestão A3 agiliza e confere maior eficácia nos projetos de melhoria. Essa ferramenta também favoreceu o engajamento da equipe e permitiu discussões interdisciplinares. Ao final de todo processo, a equipe ficou muito feliz com os resultados alcançados e relatou que tentavam melhorar esse processo há 20 anos e que, com o A3, foi possível realizar a melhoria em menos de 2 meses. Sem dúvida, depois dessa experiência, todos as pessoas que participaram dessa melhoria posicionaram-se a favor do Lean e tornaram-se parceiros potenciais para próximos trabalhos.

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Virgilio F. M. dos Santos

Virgilio F. M. dos Santos

Sócio-fundador da FM2S, formado em Engenharia Mecânica pela Unicamp (2006), com mestrado e doutorado na Engenharia de Processos de Fabricação na FEM/UNICAMP (2007 a 2013) e Master Black Belt pela UNICAMP (2011). Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da UNICAMP, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.