Cuidados com a coleta de dados: não esqueça o lado humano
Seis Sigma

17 de julho de 2017

Última atualização: 25 de janeiro de 2023

Cuidados com a coleta de dados: não esqueça o lado humano

Por que nem sempre os dados falam a verdade?


As equipes Lean Six Sigma (LSS) se concentram na análise estatística de métricas ao identificar oportunidades de melhoria. O forte foco na avaliação baseada em dados, no entanto, pode ofuscar o elemento humano que existe por trás do plano de coleta de dados. Apesar da sua importância, o impacto da interação humana não é facilmente visível ou quantificado, o que acaba sendo soterrado por um grupo de dados.


A expressão comum "números não mentem" pode ser verdadeira, mas uma compreensão clara de onde os números vieram e dos fatores humanos envolvidos é necessária para revelar a verdade nos dados, como demonstrado neste estudo de caso.


Muitos de nossos alunos de Green Belt e Black Belt, nos perguntam sobre cases em que encontramos problemas com a coleta de dados. É muito comum ouvirmos: mas os dados nos exercícios são fáceis, agora na vida real, é mais difícil. E eles tem razão. Nesse case, mostramos com um gerente de projetos acabou errando a análise de capabilidade do processo, pois não considerou o dado real, ou melhor, o dado do Gemba.


Não adianta coletar o dado sem entender o processo do qual estamos coletando. SIPOC, VSM, Fluxograma, Estatística Descritiva, enfim, a coleta e a análise é coisa para o MEASURE. Por isso, não tenham pressa para pular direto para a análise de dados.



Como comparar os dados ao desempenho?


Devido a uma crescente ocorrência de entregas atrasadas, a Companhia X iniciou uma investigação de um processo que não atendia a demanda exigida no tempo. O processo foi considerado estável e capaz de satisfazer os requisitos dos clientes até os últimos dois meses. Não houve registros de mudanças recentes que pudessem explicar esta tendência de desempenho descendente, tornando mais difícil identificar a causa ou causas de falha.


O líder do projeto que investigou o processo e decidiu realizar um estudo de ciclo de tempo acessando o banco de dados do processo ("estudo do tempo do desktop") em vez de uma visita à planta (ir ao Gemba). O estudo do tempo da mesa foi repetido várias vezes com resultados similares a cada vez.


O estudo do tempo da mesa focou os selos de início e término do processo. À primeira vista, os dados mostraram capacidade para atender o tempo de execução requerido sem a necessidade de recursos adicionais. Também houve um alto nível de confiança na precisão dos tempos de ciclo, uma vez que os dados vieram de coleta de tempo do computador antes e depois da conclusão de cada tarefa. Para a consternação de todos, no entanto, a onda de embarques tardios persistiu.


Devido à incongruência entre os dados e o desempenho, o líder do projeto decidiu visitar o centro e realizar uma auditoria visual. Eureka! Durante a observação do processo e as entrevistas com os operadores, o líder do projeto descobriu a principal causa desse nível de desempenho errático, discutido abaixo.



Capacidade de processo equivocada


O processo ocorre em duas partes, Processo A e Processo B. Os operadores do Processo A (Equipe A) estão com a empresa há muito tempo e desenvolveram técnicas repetidas Lean para simplificar o fluxo e ainda manter um alto nível de qualidade. Suas melhorias permitiram que os operadores completassem seu processo antes do tempo de ciclo antecipado.


O supervisor do processo seguinte aproveitou esta oportunidade e utilizou o tempo extra da Equipe A para realizar a entrada de dados para o início do Processo B. O resultado foi um tempo de ciclo reduzido - e, portanto, capacidade melhorada - para o Processo B. A mudança A na alocação de recursos não foi documentada, no entanto, dando a impressão de que o Processo B aumentou sua capacidade utilizando os recursos existentes da Equipe B. Na realidade, somente o Processo A teve a capacidade extra atribuída à racionalização Lean.


Depois de um período de tempo operando desta forma, o negócio experimentou uma mudança de volume que exigiu que a Equipe A se concentrasse exclusivamente em seu próprio processo, deixando sem tempo extra para ajudar com o Processo B. Como o sistema foi baseado em um cálculo errado de capacidade para Processo B, não se sabia que a mudança de volume - e, portanto, a mudança em que o tempo da Equipe A foi gasto - requeriam recursos adicionais para serem atribuídos ao Processo B para manter a produtividade. A verdadeira capacidade do processo B foi revelada, o que, por sua vez, levou às entregas atrasadas. Em poucas palavras, era um caso de capabilidade de processo equivocada.



Como reparar o problema?


Enquanto isso, os vendedores da empresa estavam produzindo preços e propostas de tempo de entrega com base em informações erradas de tempo de ciclo e de alocação de recursos. Sem a capacidade emprestada da Equipe A, a verdadeira capacidade do Processo B foi menor. Portanto, a capacidade real não coincidiu com a capacidade citada e ficou aquém dos requisitos do cliente.


O vendedor que fez a oferta inicial preferiria renunciar à sua comissão do que dizer ao cliente: "Desculpe, a oferta de preços está errada e agora temos que aumentar o preço". Uma solução rápida que também poderia suportar a prova do tempo era necessária.


Para resolver o problema, a equipe de melhoria implementou vários planos de ação diferentes, incluindo:




  • Espelhar as melhorias Lean do Processo A para reduzir o tempo total do ciclo do processo B.

  • Utilizar a experiência da Equipe A na implementação Lean para treinamento cruzado.

  • Exigir métodos de estudo do tempo a serem aprovados por especialistas em assuntos ou dono do processo para capturar qualquer conhecimento indocumentado e ainda crítico sobre o processo.

  • Exigir revisões periódicas das medidas de capacidade para garantir a otimização contínua.


Como se dar bem na coleta de dados?


Coleta de dados: os dados são coletados geralmente como parte do ciclo PDSA. O objeto do ciclo pode ser construir o conhecimento, testar ou implementar uma mudança. Seguem-se 5 dicas para uma coleta de dados bem feita:




  1. Antes de coletar, defina as questões a serem respondidas pelos dados. Os dados são coletados para facilitar o aprendizado. A coleta dos dados será mais eficiente se as questões a serem respondidas por meio de dados forem definidas antes da execução do trabalho. Isto porque parte da fase do planejamento de um ciclo inclui identificar as questões a serem respondidas pelos dados a serem coletados no ciclo. Decidir como os dados, mais tarde, serão analisados (talvez esboçando algumas tabelas e gráficos padrões, os quais serão usados para apresentar os resultados das análises) proporciona o planejamento do ciclo como um modo para verificar se eles estão coletando os dados necessários para responder as questões pertinentes.

  2. Usar amostragem para coletar os dados. Frequentemente é melhor estudar uma amostra do que todos os itens disponíveis. Por exemplo, é preferível usar uma simples folha de verificação para registrar cada chamada ao número 0800 e analisar a cada 20 chamadas, detalhadamente. Muito pode ser aprendido de pequenas amostras, especialmente se elas forem coletadas o tempo todo. O processo de amostragem reduz ambos, o custo e carga de trabalho. Reduzindo a carga de coleta de uma grande quantidade de dados, ativa o pessoal a fazer um melhor trabalho de medidas e estudos dos itens selecionados. Estudando uma amostra, frequentemente temos uma melhor informação do que ao estudar todos os itens disponíveis.

  3. Projetar e testar um formato de coleta de dados. O uso de um formato que foi cuidadosamente projetada e testada para coletar dados tornará o processo de coleta mais fácil e reduzirá as chances de erro. O formato deveria conter as instruções necessárias para coletar os dados e as definições dos termos.

  4. Treinar aqueles que coletarão os dados e dar a eles instruções compreensíveis. Na maioria das vezes, na ânsia de melhorar a coleta, definimos algumas novas tarefas para aqueles que coletam dados. Quando fazemos isso, não devemos assumir que as pessoas saberão como realizar as tarefas necessárias. Dar treinamento é fundamental e, além disso, devemos deixar claro nossas razões para coletar dados e a importância dos mesmos. O processo específico de medida ou registro deveria ser revisto e praticado.

  5. Registros que foram feitos errados durante a coleta de dados. Os dados serão coletados durante a etapa “fazer” do ciclo PDSA. Cada coleta de dados terá alguns problemas, algumas coisas que não aconteceram como planejadas, isso é normal. Certifique-se de incluir nas instruções para coletas de dados todos os registros de ocorrências, não as escondendo. As pessoas que analisam os dados precisam, então, avaliar o impacto destas ocorrências inesperadas nas conclusões retiradas dos dados.


Coleta de Dados


Com estas 5 dicas, resumimos um pouco o que ensinamos em nossas certificações Green BeltBlack Belt e nos treinamentos sobre análise de dados. Como está muito fácil coletar e analisar dados hoje em dia, pelo advento dos sistemas de informação, as chances de erro aumentaram. É muito comum, sairmos coletando dados das bases dos sistemas de informação e cruzarmos tudo com tudo. Afinal, esta é a moda do Big Data, não?


Apesar de comum, esta abordagem induz a uma série de erros, como os relatados aqui. Por isso, caros Green Belts e Black Belts que ralam nas empresas desse Brasil, vão com calma. Sim! Já disse e repito: ser calmo não é ser lento. Vão com calma e coletem os dados seguindo estas 5 preciosas dicas. Pois sair cruzando dados de maneira aleatória, poderá levar você à conclusões errôneas e decisões desastradas, que o farão perder dinheiro.  O Seis Sigma, o Lean ManufacturingBig DataRegressão, etc, deverão proteger você e não levá-lo à decisões atabalhoadas.


Embora os números não mintam, sua origem e significado devem ser cuidadosamente interpretados. Usar a metodologia correta, com a criatividade e a vontade de considerar o elemento humano, alcançarão melhores resultados.

Virgilio Marques Dos Santos

Virgilio Marques Dos Santos

Sócio-fundador da FM2S, formado em Engenharia Mecânica pela Unicamp (2006), com mestrado e doutorado na Engenharia de Processos de Fabricação na FEM/UNICAMP (2007 a 2013) e Master Black Belt pela UNICAMP (2011). Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da UNICAMP, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.